Em dezembro último, a juíza Simone de Araujo Rolim, do Rio de Janeiro, declarou extinta a punibilidade do suposto ato de estelionato do qual foi falsamente acusado, um ano antes, com grande alarde pela polícia e imprensa cariocas, o escritor e diretor LGBT+ Aaron Salles Torres (“Vai que Cola”, “Quando o Galo Cantar Pela Terceira Vez Renegarás Tua Mãe” — distribuído internacionalmente sob o título “The Family Doorman” pela Breaking Glass Pictures, maior distribuidora de cinema LGBT+ do planeta—, “Noturnos”, entre outros). A juíza também determinou o arquivamento do inquérito por associação criminosa, por recomendação do Ministério Público. De acordo com o promotor Felipe Ibeas, pela inexistência de “indícios mínimos”. O inquérito, portanto, não se tornou processo e os acusados — o diretor e o produtor de seu projeto, o publicitário responsável pelo branding do trabalho Jhony de Sousa Oliveira — nunca se tornaram réus.
Apesar disso, a maneira como muitas acusações e informações falsas sem qualquer respaldo nos fatos foram disseminadas pela polícia e propagadas pela mídia aponta para uma motivação política por trás de toda a ação. Outra evidência de tal motivação política é a continuada recusa de veículos da imprensa em publicar a grave e verdadeira história, desde o encerramento do inquérito há 5 meses. Fontes indicam que a campanha de destruição de reputação e credibilidade que teve Aaron Salles Torres como alvo possuiria as digitais de membros da chefia da Polícia Civil carioca, sabidamente infiltrada pela milícia. Esse “assassinato da reputação” de Aaron não foi um incidente isolado, mas parte de uma tendência mais ampla no Brasil sob o discurso de ódio contra grupos sociais do regime Bolsonaro.
Segundo Tatiana Lionço, doutora em Psicologia e professora da UnB, “a expressão ‘assassinato de reputação’ tem sido acionada para se referir a expressões de difamação agravadas, que consistiriam em tentativa de destruir a representação moral de um sujeito ou de grupos sociais por meio de narrativas depreciativas ao seu respeito. O assassinato de reputação é praticado por meio de uma campanha de difamação dirigida a uma pessoa, instituição ou a um grupo social. Trata-se de ação deliberada, ou seja, premeditada e intencionada, visando o prejuízo do objeto da difamação”.
Os fatos:
O cineasta Aaron Salles Torres, que residiu por dez anos no Rio de Janeiro, mas deixou a cidade em meados de 2019, encontrava-se na capital carioca a trabalho para a direção de um clipe de uma marca de joias para o diretor Max Joseph, da MTV EUA, desde o dia 5 de dezembro de 2020. As filmagens foram prejudicadas pelo mau tempo e pela suspeita de Covid que recaiu sobre a atriz protagonista do projeto, Thayla Ayala. O voo de retorno de Salles Torres seria no dia 10 de dezembro e a hospedagem havia sido reservada apenas até o dia 9. Foi então que o diretor seguiu a orientação da produção do trabalho para a mudança de hotéis — a única diária de estadia que restava seria comprada pela produção de um operador de viagens que vendia pontos de fidelidade da Accor Live Limitless (ALL), ao estilo do que vendem empresas como 123 Milhas, LatamPass, Livelo, Smiles.
Somente na chegada do diretor e do produtor ao hotel Santa Tereza M. Gallery no dia 9 de dezembro, o operador de viagens Edivaldo de Oliveira da Silva informou por mensagens à produção que havia feito reserva em seu próprio nome e que a transferiria a eles, então namorados. O produtor Jhony relatou em seu testemunho que Salles Torres, na posição de diretor artístico, não teve qualquer participação na logística do projeto — como de costume na divisão de trabalho na indústria audiovisual planeta afora.
Havia algo de errado na reserva realizada por Edivaldo, contudo, e o operador de viagens mantinha constante contato por telefone com o gerente do hotel da Rede Accor, Marcelo Marques Junior. Enquanto aguardava para que se regularizasse a situação para realizar o check-in, Aaron trabalhava de seu celular, e foi nesse momento que a polícia carioca o levou e o produtor Jhony de Santa Tereza para uma delegacia da Zona Sul (os policiais ficaram em dúvida entre 13ª DP de Copacabana e a 14ª DP do Leblon, mas optaram pela primeira após contato com a delegada). O inspetor de polícia afirmou na ocasião que Aaron seria apenas um “acompanhante”. Retirou-lhe, no entanto, imediatamente seus bens (celular, cartões, laptop de trabalho) e documentos de identidade.
O que foi possível averiguar foi que o operador de viagens e suposto vendedor de pontos de fidelidade ALL, Edivaldo de Oliveira da Silva havia “clonado” o cartão de crédito de outro indivíduo em seu próprio nome para efetuar a tal reserva, também em seu nome.
Aaron Salles Torres ou o produtor do clipe jamais apresentaram quaisquer documentos falsos para fazer o check-in no hotel, nem tentaram induzir os funcionários ao erro. Todos os cartões que possuíam pertenciam a eles mesmos, conforme determinou a perícia policial. Ainda assim, Salles Torres, na realidade vítima de um golpe, foi levado pela polícia sem, em nenhum momento, receber voz de prisão: a primeira conduta policial contra as garantias constitucionais do indivíduo; a segunda foi a apreensão de seu celular, cartões, laptop e documentos de identidade. Ele e Jhony permaneceram ‘desaparecidos’ no sistema por três dias.
Apesar da falta de provas e do fato de terem na verdade sido enganados por um terceiro, Aaron e o produtor Jhony de Sousa Oliveira foram interrogados durante sete horas ininterruptas, sem a presença da delegada responsável Natacha Alves de Oliveira: outro atentado contra as garantias constitucionais do indivíduo na condução do caso. Tampouco lhes foi concedido, em momento algum, um direito constitucional fundamental: o de serem assessorados por advogados. Em seguida, foram levados a uma cela da delegacia, onde passaram a noite.
Esse caso não foi tratado como de praxe em registros de estelionato. O delegado não arbitrou o valor da fiança, o que permitiria a liberação imediata dos acusados após o pagamento. A demora na lavratura dos documentos atrapalhou, ainda, o trabalho dos advogados na defesa de inocentes. “Reviraram a minha mala, minha bolsa de laptop, minha nécessaire, minhas cuecas, meus remédios. Não acharam nada. Queriam me pegar de qualquer jeito”, relata Salles Torres.
No dia seguinte, sob ponta de fuzil, o diretor e o produtor foram obrigados a “desfilar” algemados em frente à 13ª DP para que os policiais gravassem “o vídeo perfeito”, que foi imediatamente compartilhado em diversos grupos de WhatsApp e depois transmitido incessantemente pela RecordTV como se tratasse do momento da prisão. Toda essa exposição ocorria enquanto ambos eram impedidos de comparecer à audiência de custódia, pois os seus advogados não conseguiam encontrá-los no sistema. É válido lembrar que a RecordTV, do bispo evangélico Edir Macedo, é uma das maiores apoiadoras do regime Bolsonaro na mídia brasileira.
Depois de várias voltas de carro com os rostos à mostra e a sirene ligada pela Zona Sul do Rio de Janeiro, Salles Torres e o produtor foram levados ao presídio de Benfica, onde os policiais incitaram dezenas de detentos a estuprá-los por serem gays, num notório caso de LGBTfobia institucionalizada. Por sorte, nenhuma violação sexual ocorreu na noite que passaram no presídio. No terceiro dia, os advogados de ambos os encontraram no sistema no último instante para a audiência de custódia e os dois foram liberados.
O espetáculo midiático:
O artista ou seus advogados nunca foram procurados pela imprensa para dar sua versão dos fatos. O estardalhaço na mídia se constituiu em grave ataque à reputação e à credibilidade de Aaron Salles Torres. Durante o interrogatório de sete horas (sem a presença de um advogado) em que o produtor Sousa de Oliveira repetia que o diretor não possuía qualquer responsabilidade pela logística do projeto, foi possível ouvir o inspetor falar: “Doutora, doutora (delegada Natacha Alves), estamos com a Rainha aqui. Podemos soltar a resenha? Podemos soltar a resenha?”” — “Rainha” era uma maneira LGBTfóbica de o inspetor se referir a Aaron. O noticiário sobre o caso foi nitidamente construído com base em inverdades. “Tratou-se de um ato orquestrado. Nunca a crítica a um trabalho meu foi traduzida para o inglês com tanta velocidade como a notícia de minha prisão em sites bolsonaristas”, afirma Salles Torres.
A primeira matéria publicada sobre o caso, de autoria da jornalista Paolla Serra, na revista Época, afirma que Aaron e Jhony “passaram o Réveillon hospedados em um hotel em Copacabana e prorrogaram a estadia até dia 12 de janeiro. Eles estavam em um quarto equipado com banheira de hidromassagem com diárias em torno de R$1.500 e pagaram a conta com diversos cartões clonados”. Ocorre que Aaron Salles Torres sequer se encontrava no Rio de Janeiro no Réveillon de 2020 — passou a data com a sua família em Mato Grosso do Sul e no dia 2 de janeiro voou para São Paulo onde cumpriria compromissos profissionais para com uma série do Canal Brasil. Viajou para o Rio apenas no dia 3 de janeiro de 2020, onde pagou pessoalmente por sua hospedagem de uma diária em um hotel. Mais uma vez contrastando com o que afirma a matéria acima, tampouco foi nessa sua estadia de um dia que se encontrou qualquer irregularidade, conforme explicita em seu parecer no inquérito o promotor Felipe Ibeas. “Realizei os pagamentos como qualquer cidadão honesto: com uma transferência no valor de R$1.600,00 de minha conta do Banco do Brasil, assim como com meu cartão de crédito Amex (R$1.550), e R$600,00 em dinheiro. O valor pago por mim pela diária é mais do que o dobro do que diz a reportagem que custa uma”, esclarece o diretor.
Em 4 de janeiro, Salles Torres — que havia ido ao Rio somente para se reunir com Jhony — rompeu com ele e deixou o hotel de pronto: os dois apenas retomariam o relacionamento em meados de fevereiro de 2020 (“um casal gay” — Paolla Serra faz questão de apontar em tom homofóbico, mais um indicativo de LGBTfobia sistêmica). Ainda nesse dia 4, o diretor sofreu uma tentativa de sequestro ou execução que até o momento não foi elucidada, ocasião em que, não pela primeira vez, foi ameaçado pela polícia — fato que muitos de seus colegas de trabalho e amigos conhecem, mas que não havia sido trazido a público. “Ouvi de um policial no rádio que a ordem era me levar para o ‘microondas’ na Rocinha. Depois, a polícia carregou meu celular e encontrou várias ligações de artistas e amigos preocupados, pois eu tinha feito uma live do hotel Fairmont dizendo que corria perigo; documentei também os rostos de alguns indivíduos e a placa fria do Doblô prata que me perseguiu, que meus amigos printaram e identificaram. O policial retornou e disse: ‘a sua sorte é que você é conhecido’, e me levou para a Delegacia do Leblon. Lá, tentaram me forçar a entregar meu celular destravado ou me jogariam numa cela, mas eu resisti. Então, eles me deixaram ir”. Após o acontecimento, Aaron hospedou-se na casa de um amigo em 5 de janeiro e deixou o Rio de Janeiro no dia 6. Salles Torres não passou no Rio, ao todo, mais do que três dias e não retornaria à cidade até a gravação do novo projeto para o diretor da MTV EUA, em dezembro.
Em seu texto, a jornalista Paolla Serra faz questão de usar o nome completo do diretor Aaron Salles Fernandes Silva Torres. Dessa forma, amplia os resultados em buscas no Google e prejudica Salles Torres ainda mais: quando o artista aplicar por um visto, por exemplo, oficiais estrangeiros encontrarão de imediato as matérias acusando-o falsamente de crimes (essa parece ser a mesma intenção das traduções bolsonaristas — perseguir virtualmente o artista até no exterior, onde possui negócios). Trata-se efetivamente da criminalização da arte. O caso lembra um trecho do relatório da Comissão da Verdade do Espírito Santo em que uma mulher, ao ser presa por se posicionar contra o regime da Ditadura Militar, teve todos os seus documentos e vestimentas espalhados pelas ruas da cidadezinha do interior onde morava — uma forma de expor e trazer humilhação a sua família e de garantir que ela jamais teria uma vida normal se retornasse viva ao local, pois por aquele ato havia sido estigmatizada como presa política para sempre. A reportagem de Paolla Serra se trata de uma versão digital disso, com uso próprio das táticas das milícias virtuais contemporâneas.
É fato notório que Aaron Salles Torres, além de sua profissão como escritor, roteirista e diretor, como hobby há anos presta serviços de divulgação para destinos rústicos Brasil afora fazendo uso de suas redes sociais (#publi). “Sempre foi minha intenção estimular os brasileiros a conhecerem o Brasil antes de irem para a Flórida. Viajei para Bonito e, três semanas depois, a cidade estava bombando com artistas e com o público LGBT+”, diz. Divulgações similares incluíram Chapada dos Veadeiros, Lençóis Maranhenses, Ilha Bela... Fotos dessas publis de anos, no entanto, foram utilizadas pela jornalista Paolla Serra fora de contexto para sugestionar que Aaron teria dado supostos golpes em estabelecimentos “de luxo” que na verdade eram clientes seus — empresas de turismo, hotéis... destinos. Não se paga para prestar serviços — portanto, tais sugestões da jornalista na revista Época, além de infundadas, são mal-intencionadas e refletem a perseguição política que o diretor sofreu.
O que se seguiu ao trabalho de Serra foi uma enxurrada de artigos na imprensa marron, em sites de fofoca, em programas de TV policialescos e em blogs bolsonaristas que foram ainda mais longe nas falsas acusações espalhadas pela polícia e pela jornalista e em suas sugestões maliciosas a respeito de golpes. Outros jornalistas se basearam no pressuposto de que Serra havia verificado os fatos que publicou, ou que tinha apurado a história que assinou. Mas, como se vê, não foi verificado fato algum — nem no estado do Rio de Janeiro Salles Torres se encontrava quando dos crimes supostamente cometidos. Na verdade, o texto de Paolla Serra reflete uma relação extremamente próxima com uma fonte policial, talvez próxima demais, o que levanta questões a respeito de sua parcialidade e conflitos de interesses. A desinformação inicial teve efeito dominó que prejudicou os trabalhos de vários outros jornalistas, algo que lembra o caso da Escola Base.
Assim, as fake news de Serra alimentaram todas as outras incontáveis notícias mentirosas que circularam na mídia sobre o caso. À manipulação feita sobre as publis somaram-se imagens do diretor em Chicago (onde se educou na School of the Art Institute of Chicago e Loyola University Chicago e possui apartamento), no Festival de Cannes (onde, antes do colapso do cinema brasileiro sob o regime Bolsonaro, era presença frequente desenvolvendo parcerias internacionais de coproduções audiovisuais), e em momentos de lazer ao longo dos anos, colocando sob suspeição a vida inteira do artista – que segundo fontes próximas sempre foi pessoa idônea e trabalhador sério. A delegada Natacha Alves de Oliveira tentou ficar famosa às custas do diretor com suas entrevistas diárias sobre o caso a programas de TV em redes fascistas. Mesmo a mãe de Salles Torres, conceituada escritora sul-matogrossense, foi ameaçada de morte por conta disso e seus amigos e parceiros, assediados nas redes sociais por milícias virtuais (comentários com referências a “estupro na prisão” foram comuns, e também existia nítida compreensão de que “a polícia retirou o celular do diretor antes que ele pudesse fechar seu Instagram” — o que demonstra extremo alinhamento dessas milícias com as ações e o discurso policiais, e é outra evidência da orquestração que houve no caso como um todo).
A especialista Tatiana Lionço continua: “O assassinato de reputação envolve a disseminação de informações inverídicas, e/ou distorcidas, visando consequências na lógica da perda de outros direitos, tais como trabalho, participação política, liberdade de associação, entre outros. A pessoa que se torna objeto de uma campanha para que seu caráter seja destruído pode perder imediatamente direitos, sem que haja tempo hábil para a verificação do caráter ilícito das expressões que a condenaram ao descrédito público. Isso significa que estamos diante de uma prática organizada para o agenciamento da precarização do gozo de outros direitos, tendo como consequências discriminações não passíveis de reparação por meio indenizatório senão como medidas paliativas diante dos agravos decorrentes da campanha difamatória”.
Os antecedentes:
Mesmo com a imensa atenção nacional e até internacional (Cannes, Chicago, Paris, Nova York, Berlin, Los Angeles, Frankfurt, Moscow, Jerusalém, Taipei) que sua prisão recebeu durante um longo período, nenhuma empresa ou indivíduo veio a público fazer qualquer denúncia contra Aaron Salles Torres — o que é um indicador de sua honestidade e que comprova que jamais lesou qualquer pessoa, física ou jurídica. O diretor também já usou a sua imagem para divulgar marcas como Easy Taxi, Itaipava, Shop2Gether, Ballestrin, Blowtex, Gol e outras, internacionais como a taiwanesa Azuro Republic e a suíça chocolates Lindt.
Também é sabido que Aaron Salles Torres possui forte atuação como pensador e ativista político pró-democracia, LGBT+, antimilícia e antifascista e que nos anos de 2017 e 2018 recebeu ameaças de morte de policiais ligados à milícia carioca. As primeiras ameaças de morte ocorreram no dia de lançamento de seu longa-metragem em que seu pai, advogado, também foi ameaçado e houve várias testemunhas na rua mais movimentada do Leblon. Aaron estava comemorando com a equipe do filme no bar Jobi quando se deu conta de que uma mulher estava sendo espancada por seu namorado na loja Void, ao lado, sem que ninguém fizesse nada. Salles Torres saiu em defesa da moça: deu dois ganchos de esquerda no namorado dela para que a mulher fosse embora em um táxi. Entretanto, ela saiu correndo e virou a esquina da pizzaria Guanabara — e o namorado dela foi atrás. Um segurança defendeu o namorado porque a moça “era uma vagabunda que apanhava ali todo dia”. A polícia do Leblon foi chamada por Aaron, contudo se negou a verificar o que se passava e a prestar assistência à vítima. Por esse motivo, Salles Torres gravou os rostos e nomes dos policiais e disse que os denunciaria nas redes sociais por sua inação diante da violência contra a mulher. Os policiais ameaçaram Aaron de morte, e seu então namorado deletou os vídeos. Um Inspetor de Polícia surgiu depois e exigiu que Salles Torres acompanhasse os policiais à delegacia do Leblon. Aaron aproveitou para gravar novos vídeos com os rostos e nomes dos policiais e do Inspetor; postou diretamente no Instagram e pediu que seus seguidores nas redes sociais regravassem o material em seus próprios celulares. Na DP, o artista recebeu então novas ameaças de morte de um dos policiais que atenderam a ocorrência: “porque o Inspetor pertence à milícia e ameaça de morte todo mundo aqui dentro da delegacia do Leblon, e se alguma coisa acontecer com essa mulher e esse vídeo vazar, ele vai me matar; então, eu mato o seu filho (Aaron) primeiro”. Salles Torres nesse momento foi forçado a deletar os vídeos de seu aparelho, mas o material já tinha sido regravado por seguidores e amigos. O pai de Aaron, que é ex-Conselheiro Federal da OAB e estava no Rio também por ocasião da estreia de “Quando o Galo Cantar...”, por sua vez foi ameaçado pelo Inspetor em pessoa, que afirmou que “mataria Aaron onde ele morava no Leblon” e que um dos braços da milícia “mataria o advogado em Mato Grosso do Sul”. Com os vídeos deletados do telefone de Salles Torres, os policiais então permitiram que pai e filho deixassem a delegacia: “Nunca imaginei que seria ameaçado de morte por pedir que a polícia protegesse a integridade física de uma mulher”, Aaron diz.
A segunda ameaça aconteceu em abril de 2018, logo após o feminicídio político da vereadora negra e LGBT+ Marielle Franco, e foi divulgada nas redes sociais — somente não virou matéria em revista porque Aaron se negou a dar entrevista, porém um esquema especial de segurança foi montado para a chegada e saída nas gravações do “Vai que Cola” de forma a proteger diretores, artistas, equipe e público. A terceira ameaça ocorreu durante as eleições presidenciais em outubro, em que Salles Torres trabalhou com muitos artistas, com o meio televisivo e audiovisual, com a comunidade LGBT+, com jornalistas, professores e funcionários públicos no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Mato Grosso do Sul contra a eleição de Jair Bolsonaro.
Pela gravidade dessas ameaças (em agosto de 2018 fora noticiado que a milícia carioca estava envolvida na execução de Marielle), Aaron Salles Torres deixou o Brasil no início de 2019, passou uma temporada em Chicago, e após seu retorno do Festival de Cannes abandonou o Rio de Janeiro por São Paulo. “Eu sempre disse que, se estivesse vivo durante a Ditadura Militar, teria sido preso e torturado. Fui perseguido, acusado falsamente, injustamente preso e apedrejado em praça pública com base em fake news durante o Fascismo. Deve significar que estou do lado correto da História”, declara Aaron.
A doutora Tatiana Lionço corrobora: “Podemos identificar que o governo Bolsonaro adota a estratégia do assassinato de reputações como forma de legitimar seus próprios posicionamentos políticos. A campanha política fora organizada em torno da destruição da reputação não apenas do ex-presidente Lula e da ex-presidenta Dilma, mas também do candidato Fernando Haddad. Em uma perspectiva mais ampla, o bolsonarismo tem apostado no assassinato de reputação de ativismos políticos, no geral, e mais especificamente daqueles voltados à defesa dos direitos relativos à terra, à preservação de culturas e saberes de povos tradicionais, da preservação do meio ambiente, dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos. Como efeitos das campanhas de difamação voltadas para o assassinato de reputação, podemos citar o rompimento de vínculos sociais, a privação do direito à participação em organizações (...), e pode decorrer na perda do direito à vida”.
A milícia e ‘setores degradados’ do jornalismo:
Em maio de 2021, ainda sem apresentar quaisquer provas contra o diretor, a polícia carioca pediu o afastamento “do sigilo telefônico, informático e telemático possibilitando a análise de todo o conteúdo dos aparelhos eletrônicos apreendidos” de Salles Torres, o que o próprio Ministério Público negou apontando o não cumprimento pela Delegacia de Polícia de procedimentos básicos no inquérito. “Qual seria o propósito? Utilizar minhas informações para perseguir outros intelectuais, artistas e ativistas?”, questiona Aaron. Tais tentativas reafirmam a suspeita do caráter político de sua prisão, em uma cidade onde a milícia encontra-se profundamente infiltrada na segurança pública e no poder.
Há uma crítica ao trabalho da jornalista Paolla da Silva Serra intitulada “O mito do bom jornalismo”, escrita por Marco Vito Oddo e publicada pelo Observatório da Imprensa ainda em 31 de dezembro de 2012. Em 8 de fevereiro de 2021, a jornalista Cristina Serra escreveu o artigo “A praga do jornalismo lava-jatista — A operação corrompeu e degradou amplos setores do jornalismo””, publicado na Folha de São Paulo. No texto, a jornalista paraense aponta na Folha para a existência de “relações promíscuas entre imprensa e poder” de “setores degradados do jornalismo”. Ela escreve: “Jay Rosen, professor de jornalismo da Universidade de Nova York, cunhou o termo ‘jornalismo de acesso’ para definir como jornalistas sacrificam sua independência e abandonam o senso crítico em troca do acesso a fontes, que passam a ser tratadas com simpatia e benevolência”. Cristina Serra continua a escrever que, no "jornalismo de acesso", “repórteres aceitaram muitas convicções sem as provas correspondentes. Colaboraram com o mecanismo de delações e vazamentos seletivos, renunciaram à obrigação ética de fazer suas próprias investigações e fecharam os olhos para os métodos”.
O caso dos “acumpliciados com o espetáculo policialesco-midiático” ocorrido com Salles Torres e noticiado “sem senso crítico” pela jornalista Paolla da Silva Serra, “renunciando à obrigação ética de fazer suas próprias investigações”, não é o único exemplo da relação de “jornalismo de acesso” que ela possui com a equipe da delegada do caso, Natacha Alves de Oliveira. Na matéria “Casal furtado no Leblon nega em depoimento que tenha abordado jovem negro em 'razão da cor da pele’”, Paolla da Silva Serra escreve que “O Globo teve acesso” aos termos de declaração feitos à equipe de Natacha Alves. Em vez da tipificação do crime de racismo pedida pela vítima Matheus Ribeiro à delegada, “Jovem negro acusado falsamente de furto agora é investigado por receptação (por Natacha Alves de Oliveira)”, alertou o UOL. Em resposta ao caso, a Folha de São Paulo publicou o artigo “Investigação contra jovem negro que comprou bicicleta furtada causa estranheza, dizem advogados: [...] ‘Talvez pela repercussão midiática’, diz Thiago Minagé, presidente da Abracrim-RJ (Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas)”.
Para se entender a figura de Natacha Alves de Oliveira, por sua vez, é necessário conhecer quem a nomeou para a 14ª DP do Leblon, o Secretário da Polícia Civil Allan Turnowski. Segundo reportagem da Veja, por Mariana Lang em 14 de setembro de 2020, intitulada “[Governador Bolsonarista] Cláudio Castro muda secretário da Polícia Civil e mais três pastas no Rio”: “a carreira [de Turnowski], contudo, foi marcada por uma polêmica em 2011, quando a Operação Guilhotina foi deflagrada e prendeu 30 policiais por suspeita de corrupção e envolvimento com o jogo do bicho, milícia e traficantes”.
A milícia bolsonarista chegou de fato às delegacias do Leblon e de Copacabana, onde Aaron ‘desapareceu’?
É nítido o alinhamento ideológico, LGBTfóbico e racista entre a jornalista Paolla da Silva Serra e a equipe policial de Natacha Alves de Oliveira, assim como uma busca incessante por repercussão midiática, e há de se questionar se Aaron Salles Torres foi acusado injustamente de um crime, sem nenhuma prova e com tamanho sensacionalismo, simplesmente devido a sua atuação como ativista político nas causas LGBT+, antifascista, antimilícia e pró-democracia, e também porque certos indivíduos poderosos se incomodam demais com suas denúncias sobre as maquinações da milícia dentro da Delegacia do Leblon. A polícia e “repórteres que aceitam muitas convicções sem as provas correspondentes” estão a repetir caso de Salles Torres com quantos mais cidadãos? Ele responde: “Não temos a resposta porque a verdade fica contida nos ‘porões do Fascismo’ – ao mesmo tempo, vemos diariamente na TV o que tem se passado nas favelas e comunidades: é a milícia carioca conquistando território para as facções do tráfico de quem é aliada (TCP e PCC – Terceiro Comando Puro e Primeiro Comando da Capital) e com quem lucra. Tentaram me destruir e o meu nome foi exposto. Mas muitos são mortos e sequer são identificados, principalmente pretos. Quantas violações de Direitos Humanos, quantas reputações de pessoas sérias destruídas e quantas chacinas mais até que se diga ‘basta!’?”
Liberdade de Imprensa:
É extremamente preocupante que jornalistas e veículos de imprensa atuem como meros porta-vozes das forças de um estado policialesco como se verifica no Brasil atual. De acordo com o escritório Donati Barbosa, que realizou a defesa de Aaron Salles Torres, “realmente não havia, como não há, indicativo de qualquer vínculo do Aaron com outras pessoas para cometer crimes. E isso foi bem captado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro”. Em inglês há um ditado que diz que “quando não existem provas para se julgar na corte da Justiça, julga-se na corte da opinião pública” — uma expressão cunhada pelo escritor Alger Hiss para descrever o trabalho feito pela mídia no sentido de influenciar a opinião pública contra cidadãos a quem foram feitas acusações infundadas, em casos que recebem muita atenção. “Os danos feitos a minha imagem foram propositais, baseados em mentiras e além das chacinas e extermínios cada vez mais comuns e visíveis, há muitos outros cidadãos sofrendo desses mesmos ataques de destruição de reputação que eu sofri. Sinto que fui amordaçado e sequer pude esclarecer publicamente o que houve até fevereiro de 2022 porque meu celular e laptop de trabalho permaneceram sob o poder da polícia por um ano e três meses, mesmo sem qualquer prova que pesasse contra minha pessoa. Além de não ter tido acesso às minhas redes sociais, ocorre um tipo perigoso de coação nessas apreensões: se eu me pronunciasse, os próprios policiais/milicianos fariam qualquer outra acusação esdrúxula contra mim para tentar legitimar a quebra de meus sigilos e me retaliar” – Aaron esclarece.
A condenação e toda a destruição de sua imagem “na corte da opinião pública”, porém, já estavam feitas e a polícia não produziu quaisquer provas para fundamentar juridicamente suas acusações — “até porque as mesmas não existem porque nunca cometi nenhum crime. A intenção ulterior foi cercear meu pensamento e me silenciar. Para eles, minhas ideias são perigosas”, complementa Salles Torres.
Após tanto tempo silenciado, Aaron desabafa, pois é ouvido pela imprensa pela primeira vez: “Membros da comunidade LGBT+ até conseguiram encontrar humor no caso, comparando Jhony e a mim a Bonnie e Clyde que se hospedam em hotéis cinco estrelas. Viramos meme. Não vejo com a mesma graça. Sofremos tortura psicológica, ameaças à integridade física e agressões verbais. Essa LGBTfobia é sistêmica! O policial branco disse ao Jhony que ele tinha ‘cara de bandido’ no instante em que notou que na identidade dele estava registrada a cor ‘parda’. O mesmo policial riu ironicamente e disse que me deixaria ‘sem profissão’ porque ‘diretor de cinema não consta da lista de profissões do sistema’ – isso está no inquérito. Foi com grande hesitação que eu tinha aceitado dirigir o clipe da MTV no Rio porque não queria pisar novamente onde tantas vezes sofri ameaças de morte — isso tudo começou porque acreditei que a polícia do Leblon defenderia uma mulher que estava sofrendo violência, porque denunciei e continuo a denunciar a corrupção dos Bolsonaro com suas rachadinhas e milícias, porque não aceito a milícia infiltrada no poder público ou na Imprensa, porque não tolero o fascismo, e porque defenderei sempre a Democracia. E se eu tivesse mínima vocação para o crime estaria tirando dos ricos para distribuir renda para os pobres. Há milhões de cidadãos passando fome neste país e seria de extremo mau gosto de minha parte ostentar ‘luxo’ neste contexto, também marcado por diversos crimes contra a humanidade e mortes evitáveis de mais de 600.000 pessoas. O meu caso se torna ainda mais grave porque fica evidente que a Imprensa brasileira não é livre, pois alguém ‘que se relaciona promiscuamente' com a milícia liga para editores e censura o trabalho de jornalistas sem que os cidadãos tomem conhecimento dos reais interesses por trás de tudo. O que vivemos é irreal. É dever da Imprensa informar”.
O Grupo Globo afirma possuir uma Ouvidoria para apurar tais casos. Na mesma semana que a TV Globo demitiu o repórter Tyndaro Menezes por supostos “negócios ilegais” com um delegado, a jornalista Paolla Serra foi promovida no jornal O Globo — suas relações são conhecidas por colegas de trabalho. Fica a pergunta se o Grupo Globo realmente não sabe de nada até agora. Menezes havia sido um dos jornalistas que tentaram abafar o caso de Aaron Salles Torres e impedir que fosse noticiado no “Fantástico”. Situações semelhantes ocorreram em outros veículos.
Salles Torres conclui: “Houve ‘deturpação dos valores da Justiça, polícia feroz em sua violência contra as garantias constitucionais do indivíduo, contra a ampla defesa, contra a presunção de inocência, contra a dignidade da pessoa humana’, e a cultura de exploração e práticas antiéticas por parte da mídia. Agradeço aos colegas de trabalho e de ativismo, amigos, e familiares que nunca acreditaram nas mentiras que foram divulgadas a meu respeito porque essas inverdades não colam na pessoa que fui e que continuo sendo. Agradeço também à Ana Cláudia Guimarães e ao Ancelmo Gois, que foram os primeiros membros da imprensa a tratar do caso e a demonstrar independência e isenção em seu trabalho. Sem essas pessoas, eu teria sucumbido. Trabalho desde os 16 anos, nunca deixei de criar Arte e de ir em busca de meu sustento, e sempre fui pessoa idônea. Há uma essência no que realizo — não faço nada apenas por dinheiro. Preciso acreditar. E tudo o que conquistei em minha vida foi com imenso esforço. Minha relevância se dá pelo meu pensamento, pela minha luta e pelo meu trabalho — não sou celebridade. Não busco fama ou falsas aparências. Não servirei de trampolim político para Allan Turnowski!”.
Uma notícia publicada pela Folha de São Paulo relata que “a Polícia Civil do Estado [do Rio de Janeiro] afirmou que as investigações iniciaram ainda no começo [de 2020], depois de a dupla passar o Réveillon em um hotel cinco estrelas (...).” Aqui fica a pergunta maior: se Aaron Salles Torres sequer se encontrava no estado do Rio de Janeiro durante o Réveillon, por que de fato o artista estava sendo monitorado ao menos desde o começo de 2020 pela polícia carioca? Por que a polícia insistiu em quebrar seus sigilos telefônico, informático e telemático a despeito da falta de provas e mesmo evidências contra ele? Curiosamente, o real criminoso que dizia vender pontos de fidelidade e que realmente “clonou” o cartão de crédito de outra pessoa para gerar reserva de hotel em seu próprio nome nunca foi investigado pela polícia carioca, apesar de todos os seus documentos constarem do sistema da rede hoteleira. A Lei exige três pessoas para a acusação de “associação criminosa” feita pela polícia — o nome de Edivaldo de Oliveira da Silva surge apenas nesse momento no inquérito, e depois desaparece: a leitura que se faz, portanto, é que a associação de 2 rapazes gays em namoro seja criminosa, haja vista que as investigações contra Aaron e Jhony continuaram e eventualmente levaram ao seu término. Assim, a LGBTfobia surge no próprio discurso do Estado. Há áudios em que Edivaldo diz que é “amigo de gerentes da Rede Accor e que manda demitir qualquer funcionário ali dentro”. Também possui log in de usuário interno no sistema da Accor. Seria essa sua base de dados para clonar cartões? Como supostos sequestradores teriam sido informados sobre o exato momento em que Aaron tentava deixar o hotel Fairmont em 4 de janeiro? Somente através de alguém com acesso a informações internas do hotel e da Rede. Além disso, é afirmado no inquérito que o cartão clonado por Edivaldo foi usado presencialmente no Santa Tereza M. Gallery no dia 8 de dezembro de 2020: por quem, e qual funcionário da rede hoteleira aceitou essa forma de pagamento? Aaron e Jhony não saíram de Copacabana nesse dia. Também há indícios de que o Registro de Ocorrência realizado no dia 4 de dezembro de 2020 e que levou à prisão de Aaron Salles Torres tenha sido forjado (o artista apenas chegou no Rio de Janeiro no dia 5). Por fim, há fortes indícios de que o Inspetor que prendeu Salles Torres no dia 9 de dezembro de 2020 tenha sido o mesmo que o ameaçou de morte no dia de lançamento do longa “Quando o Galo Cantar...” em novembro de 2017, e que foi registrado em vídeo. Todas essas incongruências são sugestivas de emboscadas, tanto na ocasião da tentativa de abdução, quanto da “prisão em flagrante”.
A doutora Tatiana Lionço finaliza: “A ruína da democracia é também passível de imaginação em uma sociedade em que, legitimamente e sem amplo debate crítico, se apela para o extermínio do direito à dignidade de pessoas, grupos ou instituições. Podemos pensar que o escracho sistemático e organizado é uma forma de assassinato de reputação que tende a se assemelhar a uma perspectiva punitivista. Precisamos defender o Estado democrático de direitos, interpelar as instituições públicas para que cumpram sua função investigativa e judicial, reservando à coletividade amplo direito à participação política nos mais diversos espaços, o que implica direito à liberdade... de Imprensa!
O Estado policial que o Brasil tem se tornado não é ficção. E este se trata de um sólido exemplo do processo de perseguição, demonização e mesmo criminalização de que indivíduos LGBT+, pretos, indígenas, artistas, pensadores, influenciadores, jornalistas, professores, cientistas têm sido vítimas neste país.
Um olhar para o futuro:
Em tempo, Aaron Salles Torres está publicando um romance sobre a sua vivência no regime fascista de Bolsonaro. O primeiro volume possui cerca de 1.100 páginas e a tradução para o alemão já está em curso. Trata-se de um [re]sgate do Modernismo, há 100 anos da realização da Semana de Arte Moderna no Brasil, da publicação de “Ulysses”, de Joyce; de “The Waste Land”, de T. S. Eliot; e de “O Caminho de Guermantes”, o terceiro volume de “Em Busca do Tempo Perdido”, de Proust. O artista também prepara uma exibição no campo das artes visuais, em que se insere na obra de Caravaggio. E prepara com parceiros composições para um álbum-conceito em que um(a) cantor(a) lhe emprestará a voz pelo tempo em que esteve silenciado, tal como Gal Costa fez com Caetano Veloso na década de 1970, no regime da Ditadura Militar.